Cerca de 16 milhões de portadores da doença já foram curados desde a década de 80, mas preconceito e acesso à informação ainda são barreiras a serem vencidas
Na semana comemorativa do Dia Mundial de Combate à Hanseníase (29 de janeiro), a Nippon Foundation – entidade que há mais de 40 anos é referência internacional em campanhas para eliminação da Hanseníase no mundo – lança, no Brasil, o Apelo Global pelo Fim do Estigma e da Discriminação contra as Pessoas Atingidas pela Hanseníase, em parceria com a Associação Médica Mundial (WMA), Associação Médica Brasileira (AMB), Associação Paulista de Medicina (APM), Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e Apoio do Ministério da Saúde, Ministério dos Direitos Humanos e do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan).
O Apelo Global é uma iniciativa criada pela Nippon Foundation, em 2006, com apoio de vários líderes do mundo, visando promover o aumento da consciência internacional sobre a questão. Até o momento, foram realizados seis Apelos Globais, com focos específicos: líderes do mundo (2006); representantes das pessoas atingidas pela hanseníase (2007); ONGs ativas em direitos humanos (2008); líderes religiosos (2009); líderes empresariais (2010); e líderes das melhores universidades do mundo (2011). Dentre os brasileiros e entidades nacionais que já endossaram o Apelo Global estão o então Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; o empresário Roger Agnelli, ex-CEO da Vale; e a Universidade de São Paulo (USP).
Em 2012 o Apelo Global está sendo endossado pela Associação Médica Mundial e seus afiliados em diversos países, visando unir cada vez mais a classe médica na luta pelo fim do preconceito e melhorias da saúde pública.
“Pessoas atingidas pela doença há muito tempo são vistas como ‘amaldiçoadas’ e sofrem discriminação. São rejeitas pela sociedade e abandonadas. Foram forçadas a viverem segregadas e confinadas em áreas distantes, isoladas ou até mesmo em ilhas remotas, por acreditar-se que seja uma doença altamente contagiosa, o que não é verdade. Cerca de 99% das pessoas têm imunidade natural ou resistência ao bacilo causador da Hanseníase. É uma doença curável, o tratamento é gratuito e, portanto, não há espaço para a discriminação social”, explica Yohei Sasakawa, chairman da Nippon Foundation e Embaixador da Boa Vontade da Organização Mundial da Saúde (OMS) para Eliminação da Hanseníase.
“Precisamos, definitivamente, nos ater a estas questões, chamando a atenção da sociedade e do poder público, demonstrando que o preconceito contra a Hanseníase continua não resolvido. Sem medo do preconceito, novos casos podem ser descobertos mais precocemente, permitindo cura ainda nos estágios iniciais e evitando, desta forma, o avanço para casos mais graves, aqueles que levam à amputação”, completa Sasakawa. Estima-se que de dois a três milhões de pessoas tenham adquirido deficiência física em consequência da Hanseníase.
Cura efetiva
Enfermidade que remonta os tempos bíblicos, a Hanseníase por muito tempo foi considerada sem cura. Mas, em 1981, um novo tratamento foi descoberto – a Terapia Multidroga (MDT, na sigla em inglês) – e o cenário começou a se inverter completamente. Em 1985 nada menos que 122 países apresentavam quadros graves de saúde pública. Em 2003 o número de nações ainda com necessidade de atingir as metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para eliminação da hanseníase como problema de saúde pública (menos de 1 paciente para 10 mil pessoas) caiu para seis, e o índice de pessoas infectadas baixou para 600 mil. Atualmente, apenas o Brasil ainda tem metas a cumprir.
Parte desta considerável redução deve-se aos investimentos de US$ 50 milhões da Nippon Foundation numa atividade de cooperação com a Organização Mundial da Saúde (OMS). De 1995 a 1999, as duas entidades uniram esforços para distribuição da MDT, gratuitamente, aos governos dos países mais necessitados de suporte financeiro, logístico e médico.
No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 47 mil novos casos são detectados a cada ano. Porém, o resultado do estudo Saúde Brasil 2010, realizado pelo Ministério da Saúde, aponta uma redução de 31,5% de casos registrados no País nos últimos dez anos. Segundo a investigação, a média anual de detecção de novos casos é de 4%, no período de 2001 a 2010. O melhor percentual de redução ocorreu na Região Sudeste, com 45,5%, onde quase todos os estados alcançaram a meta de eliminação da Hanseníase enquanto problema de saúde pública. O estudo comprovou ainda que 82,3% dos casos detectados de Hanseníase foram curados em 2010.
Pelo fim do preconceito e direitos humanos
No Brasil, até a década de 1980, a Lei Federal nº 610, de 13 de janeiro de 1949, recomendava o isolamento compulsório dos pacientes com Hanseníase, que eram, então, mantidos em colônias. A mesma lei ordenava a entrega dos bebês de pais com Hanseníase à adoção, o que levou à separação de milhares de famílias. Esta situação perdurou até 1986, quando os antigos hospitais-colônias – então chamados leprosários – foram transformados em hospitais gerais. “Os muros foram derrubados, os portões abertos, mas a luta pelo reencontro destas famílias ainda continua”, revela Artur Custódio, coordenador nacional do Morhan.
Hoje, a Lei Federal nº 11.520, de 18 de setembro de 2007, dispõe sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas pela Hanseníase que foram submetidas ao isolamento compulsório – porém, o benefício não se estende aos seus filhos. “Desde 2010, o Conselho Nacional de Saúde recomenda a aprovação de uma medida provisória que estenda as ações de reparação e indenização aos filhos separados dos pais durante a fase do isolamento compulsório de pacientes com Hanseníase”, defende Custódio.
Declaração da Associação Médica Mundial
José Luís Amaral, presidente da Associação Médica Mundial (WMA), ressalta que, em outubro do ano passado, a 62ª Assembleia Geral da entidade, realizada em Montevidéu, no Uruguai, publicou a “Declaração da WMA sobre controle da Hanseníase em todo o mundo e eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela Hanseníase”. O documento diz:
“A Hanseníase é um problema de saúde pública generalizada, com aproximadamente 250 mil novos casos diagnosticados por ano em todo o mundo. É uma doença curável e, depois de iniciar o tratamento, a cadeia de transmissão é interrompida. A Hanseníase é uma doença que foi abordada inadequadamente do ponto de vista dos investimentos em investigação e tratamento médico.
A Associação Médica Mundial recomenda a todas as associações médicas nacionais para defender o direito das pessoas atingidas com Hanseníase e membros de suas famílias, que eles devem ser tratados com dignidade e livres de qualquer tipo de preconceito ou discriminação. Médicos, profissionais de Saúde e sociedade civil devem ser contratados na luta contra todas as formas de preconceito e discriminação.
Centros de pesquisa devem acusar a Hanseníase como um problema de saúde pública e continuar a investigação desta doença, uma vez que há ainda lacunas em compreender seus mecanismos fisiopatológicos. Estas lacunas no conhecimento podem ser superadas através da alocação de recursos para novas pesquisas, que contribuirá para um controle mais eficaz em todo o mundo. Escolas de Medicina, especialmente em países com alta prevalência da Hanseníase, devem reforçar a sua importância no currículo. Os setores público, privado e civil devem unir seus esforços para divulgar informação que combata o preconceito contra a Hanseníase e reconheça sua cura.”