Esquecer o nome de um conhecido, perder o fio da meada em uma conversa ou não lembrar onde deixou as chaves são experiências comuns. Para os idosos, no entanto, esses pequenos lapsos podem carregar um peso imenso.
As preocupações com a memória estão entre as queixas mais frequentes relacionadas ao envelhecimento. Mais do que um simples inconveniente, a percepção de que a memória está falhando pode desencadear um impacto profundo na saúde mental, afetando o bem-estar emocional, a autoconfiança e a qualidade de vida.
A relação entre a saúde cognitiva e a saúde mental é uma via de mão dupla. Condições como depressão e ansiedade podem prejudicar a memória, e, inversamente, problemas de memória podem agravar ou desencadear sofrimento emocional.
Este texto explora a complexa ligação entre alterações de memória e saúde mental em idosos, analisando reações emocionais, o papel do estigma e estratégias para construir resiliência e promover um envelhecimento mais saudável.
O turbilhão emocional: o que se esconde por trás do esquecimento
Quando um idoso percebe uma falha na memória, a reação raramente é neutra. Pesquisas qualitativas mostram que essas experiências evocam uma gama de emoções negativas que vão muito além da frustração.
O impacto emocional não depende apenas da gravidade objetiva do déficit cognitivo, mas também de fatores individuais, como níveis de ansiedade e experiências prévias com demência.
Principais reações emocionais:
- Frustração e irritação: especialmente quando o esquecimento interfere em algo importante ou afeta outras pessoas. Muitos relatam raiva de si mesmos por não conseguirem lembrar informações que antes eram fáceis.
- Vergonha e constrangimento: surge em situações sociais, como esquecer o nome de alguém ou se perder no meio de uma conversa. Esse sentimento pode levar ao isolamento para evitar situações embaraçosas.
- Preocupação e ansiedade: é comum um “ciclo vicioso”: preocupação com a memória causa estresse, que piora a memória e alimenta ainda mais a preocupação. Pessoas ansiosas tendem a viver isso de forma intensa.
- Medo do futuro: muitos temem que lapsos sejam sinais iniciais de demência, especialmente se já viram familiares enfrentarem a doença. Cada esquecimento se torna um gatilho de medo.
- Abalo da autoconfiança: falhas na memória reduzem a percepção de capacidade, levando à dúvida sobre si mesmo e à retração de atividades por medo de errar, o que aumenta o isolamento.
Estudos indicam que a intensidade das emoções está mais ligada à saúde mental prévia do que ao desempenho cognitivo real. Idosos com ansiedade elevada, por exemplo, tendem a se preocupar mais, mesmo sem um diagnóstico de comprometimento cognitivo leve confirmado.
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O peso do estigma e da vulnerabilidade
O impacto emocional das falhas de memória é ampliado pelo estigma social e pela vulnerabilidade associada ao envelhecimento.
- Autoestigma: quando o idoso internaliza estereótipos negativos, pode se ver como um fardo, acreditar que “já está velho demais para aprender” ou evitar buscar ajuda por vergonha.
- Estigma público e institucional: a sociedade, os serviços de saúde e até profissionais podem reforçar preconceitos, seja por falta de serviços acessíveis ou atitudes infantilizadas, como falar de forma simplificada (chamado de “fala infantilizada dirigida a idosos”). Esse comportamento desmotiva a busca de apoio.
O medo do julgamento faz muitos idosos silenciarem sobre dificuldades de memória e saúde mental. Esse silêncio agrava o isolamento e a solidão, fatores que aumentam o risco de depressão, ansiedade e declínio cognitivo.
A vulnerabilidade pode ser intensificada por saúde física frágil, dor crônica, viuvez ou o estresse de cuidar de um cônjuge doente.
Perfis psicológicos e diferentes caminhos de risco
Pesquisas recentes mostram que a interação entre personalidade, saúde mental e saúde cognitiva é complexa.
Um estudo identificou três perfis psicológicos em adultos de meia-idade e idosos, cada um com risco distinto:
- Perfil “Baixo Protetor”: baixos níveis de propósito de vida, consciência e abertura a novas experiências. Apresentaram pior desempenho cognitivo e maior atrofia cerebral ao longo do tempo, mesmo sem forte sofrimento emocional.
- Perfil “Alto Risco”: altos níveis de neuroticismo, preocupação e pensamentos repetitivos negativos. Mostraram os piores resultados em saúde mental (depressão, ansiedade, solidão, pior sono) e mais queixas de memória.
- Perfil “Bem Equilibrado”: bons níveis de fatores protetores e baixo risco emocional, com melhor saúde mental e cognitiva geral.
Esses achados reforçam a importância de uma avaliação psicológica abrangente. Idosos com poucas queixas emocionais, mas baixos fatores protetores, podem estar vulneráveis a declínio cognitivo.
Já aqueles com sofrimento emocional intenso podem precisar de suporte psicológico para proteger a cognição.
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Construindo resiliência: estratégias para bem-estar mental e cognitivo
Apesar dos desafios, é possível reduzir o impacto emocional das alterações de memória. Estratégias eficazes incluem mudanças na forma de pensar e hábitos de vida.
Ajustando o pensamento
- Normalizar lapsos: entender que pequenos esquecimentos são comuns no envelhecimento e não significam demência imediata.
- Adotar otimismo e humor: rir de si mesmo e manter uma atitude positiva ajuda a reduzir ansiedade.
- Comparar-se a pares: perceber que amigos da mesma idade passam por algo similar cria senso de normalidade.
- Aceitação: aceitar algumas mudanças cognitivas como parte natural da idade diminui sofrimento.
Ações práticas para proteger o cérebro
- Cuidar da saúde física: controlar hipertensão, diabetes e colesterol. O coração saudável protege o cérebro.
- Manter a mente ativa: aprender novas habilidades, estudar, fazer cursos ou participar de treinamentos cognitivos.
- Praticar atividade física regular: caminhadas, exercícios de força e equilíbrio melhoram fluxo sanguíneo cerebral, humor e reduzem depressão.
- Adotar alimentação saudável: padrões como a dieta Mediterrânea ou a dieta MIND (Intervenção Mediterrânea-DASH para Atrasar Neurodegeneração), que combina a Mediterrânea com a abordagem dietética DASH (Abordagens Dietéticas para Conter a Hipertensão), estão ligados a menor risco de demência.
- Fortalecer laços sociais: combater isolamento participando de grupos, voluntariado e mantendo contato frequente com amigos e família.
Olhar além do esquecimento
As alterações de memória na velhice não são apenas cognitivas, são profundamente emocionais e impactam a autoestima, a vida social e o bem-estar mental. O medo de declínio, a vergonha e o estigma podem ser mais incapacitantes do que o esquecimento em si.
Reconhecer que reações emocionais estão ligadas à ansiedade, perfis psicológicos e ao preconceito social permite intervenções mais eficazes. Apoio emocional, psicoterapia e mudanças no estilo de vida ajudam a proteger tanto a saúde mental quanto a cognitiva.
A Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) reforça a importância de um olhar integral sobre o idoso, considerando não apenas a cognição, mas também o impacto psicológico que o esquecimento provoca.
Com suporte adequado, informação e acompanhamento especializado, é possível cultivar resiliência, propósito e qualidade de vida, permitindo que o envelhecimento seja vivido com mais bem-estar e dignidade.
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Fontes Consultadas
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