Alucinações e Delírios: compreendendo os sintomas psicóticos e seus impactos na vida diária

delirio e alucinacao

Ouvir vozes que ninguém mais ouve, ter a certeza de estar sendo perseguido ou acreditar ter poderes especiais são experiências que, para muitos, parecem pertencer apenas ao universo da ficção. 

No entanto, alucinações e delírios são mais comuns do que se imagina e fazem parte de um amplo espectro da experiência humana. Embora possam estar presentes em transtornos psiquiátricos, sua simples ocorrência não significa, necessariamente, doença.


Delírios e alucinações fazem parte do processo da psicose, que é um estado em que a pessoa tem dificuldade em distinguir o que é real do que é fruto de sua mente. A psicose existe em um contínuo, que vai de experiências leves e transitórias até sintomas mais graves e debilitantes, podendo surgir em diferentes contextos e intensidades.

O que diferencia uma experiência incomum de um sintoma clinicamente relevante é o impacto na qualidade de vida. Quando essas vivências causam sofrimento, medo e afetam negativamente o trabalho, os relacionamentos e o autocuidado tornam-se um problema de saúde que exige atenção.

Este texto busca desmistificar alucinações e delírios, explicando o que são, como se manifestam e de que forma podem influenciar o cotidiano.

O que são alucinações e delírios

A psicose é um conjunto de alterações na percepção e na interpretação da realidade. Entre seus sinais característicos estão as alucinações e os delírios.

Essas experiências podem ocorrer em diferentes condições clínicas, incluindo a esquizofrenia, e variam em frequência, intensidade e impacto funcional.

Na esquizofrenia, além de alucinações e delírios, podem surgir redução de motivação, retraimento social e diminuição da expressão emocional, fatores que agravam o prejuízo na qualidade de vida.

Alucinações: percepções sem estímulo externo

Alucinação é uma experiência sensorial vivida como real na ausência de um estímulo correspondente. Pode envolver visão, audição, tato, olfato ou paladar.

Podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial; as auditivas são frequentes em transtornos psicóticos, como ouvir vozes que comentam, criticam ou dão ordens.

Exemplos:

  • Auditivas: comentários depreciativos, sussurros ou comandos.
  • Visuais: pessoas, figuras ou sombras não percebidas pelos demais.

Delírios: crenças inabaláveis

Delírio é uma crença falsa, mantida com convicção mesmo diante de evidências contrárias e que não se encaixa nos padrões culturais da pessoa. Alguns temas recorrentes são:

  • Perseguição: acreditar estar sendo seguido, vigiado ou ameaçado, como supor que o governo instalou câmeras em casa.

  • Referência: interpretar eventos ou mensagens como tendo significado especial e direcionado. Por exemplo, achar que a televisão envia mensagens secretas.

  • Grandiosidade: crer que possuir poderes, talentos ou fama extraordinários sem base lógica.

Existem ainda outros tipos, como delírios de culpa, de inserção ou roubo de pensamento, leitura mental e delírios somáticos (ligados ao corpo).

O contínuo da psicose

Essas vivências variam em intensidade:

  1. Sintomas leves ou semelhantes à psicose: experiências comuns, como pensar que o celular vibrou quando não vibrou ou ouvir o próprio nome em meio a barulho. São breves e não geram sofrimento.

  2. Sintomas psicóticos atenuados (alto risco clínico): sinais de alerta, como ouvir sussurros algumas vezes por semana ou desconfiar que estranhos têm más intenções. Há sofrimento, mas a pessoa ainda consegue questionar essas percepções.

  3. Sintomas psicóticos abertos: caracterizam um episódio psicótico. As experiências são intensas, frequentes e a distinção entre fantasia e realidade se perde, causando grande sofrimento e mudanças drásticas no comportamento.

O impacto profundo na qualidade de vida

Quando se tornam clinicamente significativos, os sintomas psicóticos afetam amplamente a vida: saúde mental, relações sociais e desempenho funcional. Em condições como a esquizofrenia, além dessas experiências, podem ocorrer redução de motivação, retraimento social e diminuição do prazer, o que contribui para perda de funcionalidade e qualidade de vida.

1 – Isolamento social

Delírios persecutórios levam ao afastamento de amigos e familiares para evitar supostas ameaças. O isolamento reforça as crenças delirantes, já que reduz interações que poderiam contestá-las.

Além disso, redução de motivação e diminuição do prazer (anedonia) intensificam o afastamento.

2 – Desafios ocupacionais e financeiros

Manter emprego ou estudar se torna difícil. Há prejuízos em memória, atenção e velocidade de processamento. O estigma social também pesa, gerando discriminação no trabalho.

Não é à toa que os transtornos psicóticos, como a esquizofrenia, estão entre as principais causas de incapacidade no mundo, resultando em perda de produtividade e instabilidade financeira.

3 – Saúde mental e emocional

A psicose frequentemente vem acompanhada de outros transtornos, como depressão e ansiedade. As experiências psicóticas podem ser aterrorizantes e provocar medo constante.

Além disso:

  • Baixa autoestima: sintomas e preconceito abalam a identidade, causando vergonha e inadequação.

  • Risco de suicídio: sofrimento intenso, estigma e dificuldade de funcionamento elevam significativamente a ideação suicida. O suicídio é causa importante de morte nos primeiros anos após o diagnóstico.

4 – Relações interpessoais e familiares

Relacionamentos sofrem porque o medo de julgamento leva ao afastamento. Familiares podem ter dificuldade para compreender o que acontece, o que gera conflitos e tensão.

Ao mesmo tempo, a família é peça-chave no apoio e pode ajudar na adesão ao tratamento quando recebe orientação adequada.

Caminhos para recuperação

Apesar dos desafios, a recuperação é possível. O tratamento visa reduzir sintomas e melhorar a qualidade de vida. Dois pilares são o desenvolvimento do insight cognitivo e o acesso a terapias eficazes.

Insight cognitivo: habilidade de refletir sobre os próprios pensamentos

É a capacidade de avaliar crenças distorcidas e experiências anômalas com objetividade.
Divide-se em:

  • Autorreflexão: pensar sobre o que se sente, considerar explicações alternativas e admitir a possibilidade de estar enganado.

  • Autocerteza: nível de convicção absoluta nas próprias percepções.

Pesquisas indicam que níveis elevados de autorreflexão associados a baixa autocerteza estão relacionados a melhor qualidade de vida. Mesmo diante da persistência dos sintomas, pessoas capazes de refletir sobre suas experiências tendem a lidar melhor com os desafios e a manter relações interpessoais e desempenho profissional mais estáveis.  Abordagens terapêuticas

O tratamento da psicose envolve geralmente medicamentos antipsicóticos e intervenções psicossociais.

Entre as terapias, destaca-se a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), adaptada para a psicose.

A TCC auxilia a pessoa a:

  • Identificar e modificar crenças distorcidas e comportamentos de segurança (como isolamento).

  • Desenvolver estratégias para enfrentar alucinações e reduzir a angústia sem tentar eliminá-las à força.

  • Reavaliar crenças, diminuindo a convicção em delírios e o sofrimento que causam.

  • Fortalecer a autorreflexão e o insight, especialmente com abordagens metacognitivas.

Alucinações e delírios são experiências humanas complexas que variam de situações cotidianas a quadros incapacitantes. O que define sua gravidade é o impacto sobre o bem-estar e a funcionalidade.

A psicose, e em especial a esquizofrenia, pode ser assustadora, mas não é uma sentença definitiva. Com tratamento adequado, incluindo medicamentos, apoio psicossocial e terapias como a TCC, é possível controlar sintomas, reconstruir autoestima e melhorar significativamente a qualidade de vida.
Entender essas experiências é um passo essencial para combater o estigma, ampliar a empatia e abrir caminhos para recuperação e esperança.

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Fontes Consultadas

  1.  RATHEE, R. et al. Cognitive insight and objective quality of life in people with schizophrenia and auditory hallucinations. Psychiatry Research, v. 259, p. 223–228, jan. 2018. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5758479/ .

  2.  KUIPERS, E. et al. Cognitive, Emotional, and Social Processes in Psychosis: Refining Cognitive Behavioral Therapy for Persistent Positive Symptoms. Schizophrenia Bulletin, v. 32, suppl. 1, p. S24–S31, out. 2006. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2632539

  3.  REEDER, R. R. Current and future directions for research on hallucinations and delusions. Scientific Reports, v. 14, n. 8328, 10 abr. 2024. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41598-024-57472-6 .

  4.  LUNDIN, N. B. et al. Identification of Psychosis Risk and Diagnosis of First-Episode Psychosis: Advice for Clinicians. Psychology Research and Behavior Management, v. 17, p. 1365–1383, 21 mar. 2024. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10962362/

  5. CAREY, E.; SHARON, A. Psychosis. Healthline, 25 out. 2024. Disponível em: https://www.healthline.com/health/psychosis .

  6. KHANNA, S. The Impact of Psychosis on Mental Health and Quality of Life of an Individual. In: STARCEVIC, A. (ed.). Psychosis – From Cell to Society. London: IntechOpen, 2025. Disponível em: https://www.intechopen.com/chapters/1208371

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