Fundamental para a saúde, mas com muitas perguntas a serem respondidas. Assim é o sono. Ele nos afeta de várias formas, dependendo das particularidades de cada um. Para o neurologista Sérgio Rubens Leme de Souza, do Ambulatório Médico Especialidades (AME) Maria Zélia, diversos fatores influenciam até o próprio conceito de sono.
“Dormir é um uma parte indispensável da existência humana, como comer, mas nem a própria ciência sabe 100% o que é e para que serve o sono”, explica o neurologista. Uma das definições que melhor servem para ilustrar a afirmação de Sérgio vem do neurobiólogo John Eccles e do filósofo da ciência, Karl Popper: “o sono é uma inconsciência usual e repetitiva que não sabemos exatamente para o que serve”.
Mas sabemos que o sono acarreta sim uma série de benefícios para a saúde, auxiliando o organismo a manter-se equilibrado, que vamos detalhar a seguir.
Por quanto tempo devemos dormir?
O número de horas diário de sono varia de pessoa para pessoa, pois as necessidades individuais de cada um são estabelecidas por fatores genéticos, ambientais, de aprendizado, de saúde, atividades físicas e questões biológicas próprias.
“Dizem que Napoleão Bonaparte dormia de duas a três horas diárias e era um gênio, um grande estrategista, não causando grandes problemas à sua atividade diária” conta Sérgio, que completa: “algumas pessoas precisam de 10 a 12 horas de sono, enquanto outras se sentem bem com apenas quatro ou cinco horas dormidas diariamente”.
O padrão individual de sono é criado por volta dos quatro ou cinco anos de idade, seguindo uma tendência natural: “de uma maneira geral, crianças dormem mais. Bebês de até quatro meses dormem de 16 a 20 horas por dia, mas essa necessidade vai diminuindo. Até os oito anos de idade, a criança dorme entre 10 e 12 horas e, a partir dos 10 anos, ela precisa de nove a 10 horas diárias. Já a partir da adolescência são necessárias apenas de sete a oito horas de sono. Os idosos dormem cerca de seis a sete horas por dia e isso basta”, conta o neurologista.
Conforme ficamos mais velhos, acordamos com mais freqüência de madrugada. Cada acordar nos leva, durante o dia, à pequenas pestanejadas que duram alguns segundos, chamadas de microsleeps. As mulheres têm ainda outra particularidade: a partir dos 35 anos, elas têm a tendência de dormir mais do que os homens.
O que acontece no seu corpo quando você dorme
Você está tranquilo, relaxado, no seu quarto escurinho, deitado nos seus lençóis limpinhos e no seu colchão macio. Vai fechando os olhos aos poucos e todo seu pensamento vai ficando longe, longe.
Nesse primeiro momento, seu corpo vai perdendo a temperatura aos poucos, a respiração vai ficando irregular e os batimentos cardíacos e a pressão sanguínea diminuem. Esse estágio, de sono profundo, que ocorre mais ou menos meia hora após dormirmos, é conhecido como não REM (Rapid Eye Movement ou Movimento Rápido dos Olhos).
É nesse momento que começa a liberação de alguns hormônios vitais para o funcionamento do organismo, como o do crescimento (Growth Hormone, GH), muito importante até a idade adulta, que atua diretamente no crescimento da criança e ainda ajuda a manter o tônus muscular, o acúmulo de gordura, melhora o desempenho físico e combate a osteoporose.
A leptina é outro hormônio produzido nas primeiras horas de sono e ela é responsável pela sensação de saciedade, o que explica a necessidade que as pessoas que dormem menos do que necessitam têm de comer, principalmente alimentos ricos em carboidratos – é que elas produzem menos leptina.
A produção de insulina e de cortisol também se beneficia de um sono saudável. Quando dormimos o suficiente, produzimos adequadamente a insulina (hormônio que retira o açúcar do sangue) e diminuímos a quantidade de cortisol, conhecido como hormônio do estresse, que tem efeitos contrários ao da insulina, aumentando a taxa de glicose no sangue.
Ao final desse ciclo a atividade cerebral atinge o seu pico, o relaxamento muscular está no auge e as frequências cardíaca e respiratória voltam ao normal. E temos a maior parte dos sonhos, principalmente daqueles que lembramos com mais detalhes na manhã seguinte. Aqui também aumentamos o consumo de oxigênio e passamos aos poucos para a vigília, o acordar. É o estágio REM.
“Todas as fases são importantes e devem ter uma sequência natural, sem interrupções, para garantir um período de sono saudável”, explica Sérgio.
E quando você é privado do sono?
Há que se levar em conta que privação não é ausência de sono. Estamos falando de 60 a 200 horas sem dormir.
Após 24 horas sem pregar os olhos, nosso sistema mesolímbico (área do cérebro responsável pelas respostas comportamentais aos estímulos e sensação de recompensa) é estimulado e a dopamina (neurotransmissor multitarefa, responsável pelo movimento, memória, comportamento e aprendizagem, atenção, sono, humor, entre outros) é liberada, o que pode dar uma sensação de mais energia, motivação, otimismo e até desejo sexual. Mas não se engane: isso é pura ilusão! Gradativamente começam a surgir a sonolência, a fadiga, o apetite e a irritabilidade. E você passa o dia tendo microsleeps.
Isso porque, pouco a pouco, nosso cérebro vai desativando regiões que se encarregam de planejar e avaliar decisões. Com isso, a concentração começa a ficar comprometida, assim como a atividade motora e a capacidade de julgamento. Vão diminuindo aos poucos, ainda, a atenção, a dificuldade de comunicação e o autocuidado. Ficamos cada vez mais desligados dos fatores externos, o que aumenta o risco de acidentes.
Depois de um ou dois dias sem dormir já não metabolizamos direito a glicose e nosso sistema imunológico começa a falhar, assim como a memória. Após 60 horas em claro, começamos a sofrer com alucinações, ilusões visuais e táteis, euforia e linguagem confusa.
Com a falta de sono, o hormônio do estresse (cortisol) é liberado, o que ocasiona, além da diabetes, uma pele sem brilho, linhas finas e olheirasem torno dos olhos. Isso porque o cortisol pode quebrar o colágeno da pele, a proteína que a mantém lisa e elástica.
Quando a privação do sono é forçada, como em uma situação extrema, ocorre o aumento da pressão arterial, alteração cardiovascular e descontrole da diabetes.
Mitos (ou inconclusões) sobre o sono
Não existe ainda um consenso sobre o volume de privação de sono que pode levar à morte. “Não temos como comprovar essa afirmação. O que já foi feito nesse sentido são experimentos com animais, mas não sabemos em que momento esse efeito ocorre em seres humanos”, explica o neurologista.
Outra afirmação constante é sobre a relação da melhora da capacidade cognitiva com a quantidade de sono diário. Isso não pode ser considerado uma conclusão definitiva, pois cada pessoa tem uma necessidade particular e individual de volume de sono satisfatório.
Receita para uma boa noite de sono
Muitas são as influências que incidem sobre o sono, como doenças, uso de medicamentos, bebidas alcoólicas, meio ambiente e idade, por exemplo.
“Dormir muito não é obrigatório para viver bem. O que é importante é respeitar a genética e as necessidades individuais”, garante Sérgio Rubens Leme de Souza. Para garantir um sono repousante, o neurologista dá algumas dicas preciosas:
– Perto da hora de dormir, faça apenas refeições leves.
– Evite a utilização de bebidas alcoólicas ou medicamentos sem orientação médica.
– Não se exponha a notícias tensas, filmes e imagens de grande intensidade, ou sons estressantes.
– Garanta um ambiente sossegado, limpo, arejado, com pouca luz e silencioso.
– Um colchão adequado e uma boa companhia também influenciam diretamente na qualidade do sono.
Se você apresentar problemas como dificuldades ou privação do sono, procure um médico.