Uma pessoa diz que vai te hipnotizar e fazer você comer uma cebola crua como se fosse uma maçã. A cena é clássica, muitos já presenciaram em programas de televisão ou até mesmo na rua. Há quem não acredite e ache que se trata de encenação, em parte devido ao exagero com que são feitas essas “apresentações” ou porque nunca ouviu falar no uso ético e em saúde da hipnose.
A verdade é que a técnica realmente funciona e não deveria ser utilizada para shows de palco. Trata-se de um instrumento psicológico validado pela neurociência e pela Medicina Baseada em Evidências (MBE). É utilizada no mundo inteiro como terapia complementar e empregada por profissionais de diversas áreas da saúde.
A palavra “hipnose” vem do grego hypnos, que pode ser traduzido como sono. Contrariando a origem do nome, estar hipnotizado não significa estar dormindo, mas sim em um estado diferenciado de consciência. “Não é estado de sono ou estado alterado de consciência. É uma capacidade que algumas pessoas têm, mais do que outras, de se absorver na sua experiência imaginária e vivenciá-la como se estivesse acontecendo agora”, explica Osmar Ribeiro Colás, médico ginecologista, hipnoterapeuta, especializado em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental e Coordenador do Grupo de Estudos de Hipnose da Unifesp.
O termo hipnose passou a ser usado a partir do século XIX, embora os primeiros registros datem do século XXX a.C.. No antigo Egito, escritos indicavam que sacerdotes induziam a um estado hipnótico semelhante ao sono, denominados “Templos do Sono”.
De acordo com o especialista, já está provado que a genética de algumas pessoas favorece a capacidade de vivenciar emocionalmente certas experiências. “As pessoas mais sugestionáveis tem uma característica mental diferente, que hoje sabemos é uma ‘expressão genética’ ligada a genes que facilitam a experiência imaginária. Por exemplo, pessoas mais artísticas têm uma capacidade de absorção maior e, portanto, uma facilidade de transmitir a experiência imaginária para a música, ou uma pintura, ou uma poesia, etc. Essas pessoas são mais facilmente hipnotizáveis do que aquelas que são mais racionais”, diz ele.
O hipnoterapeuta explica que são raras as pessoas que não conseguem entrar em estado de transe hipnótico, de jeito algum. “São principalmente as que não são capazes de fixar atenção. Por exemplo, deficientes mentais ou pessoas que estão sob efeito de drogas”, lembra Colás.
Mas como funciona?
A hipnose pode provocar mudanças no comportamento, pensamento e sentimento. Quando pensamos nela, a primeira imagem que vem à mente é o uso do pêndulo. Mas nem sempre é assim, esta é apenas uma das muitas técnicas utilizadas para induzir uma pessoa ao estado de hipnose. Através destas técnicas que induzem ao transe hipnótico, são criadas imaginações na mente do hipnotizado, que aceita e vivencia essas experiências.
Tudo está ligado à neurologia. O nosso sistema límbico (um grupo de estruturas neurológicas) é a parte do cérebro ligada ao emocional, que cria em nós a imaginação, um processo psíquico. Já o nosso senso crítico é a função da mente que nos coloca em contato com o mundo real e a noção de tempo. É ele quem faz com que as experiências imaginárias sejam colocadas em uma espécie de limbo, impedindo que sejam entendidas como se estivessem acontecendo agora.
“Durante o transe hipnótico, existe a diminuição deste senso crítico, que permite que a pessoa vivencie sua experiência imaginária e emocional como se estivesse acontecendo agora. Por exemplo, uma experiência traumática registrada durante a infância não entra no processo de amadurecimento e fica guardada no inconsciente. Com a hipnose, é possível fazer a pessoa regredir, lembrar e reviver aquela situação sem o senso crítico, porque ela é tirada da noção de tempo e espaço. Você pode até lembrar-se da infância racionalmente, mas sem o senso crítico é possível lembrar mais detalhes e evocar acontecimentos e emoções, para assim tratar esses traumas”, explica Osmar Colás.
Durante o transe hipnótico em uma psicoterapia, o profissional é quem age como senso crítico ou “alter ego” do hipnotizado, fazendo uma crítica ajustada para amenizar o trauma e a pessoa poder se reorganizar cognitivamente.
A hipnose então, como vimos, desenvolve uma série de fenômenos, como a capacidade de lembrar detalhes, distorções de tempo, de percepção dos sentidos (como gosto e olfato). Também pode induzir a analgesia, anestesia e amnésia (esquecimento). A diminuição da crítica é um dos fenômenos presentes no estado hipnótico, que permite modificar e ressignificar as experiências cognitivas para um conforto do paciente.
Há quem tenha medo da hipnose por pensar que não conseguirá sair do estado hipnótico, mas, de acordo com Colás, a saída do transe é automática e espontânea. “Entramos e saímos de hipnose o dia inteiro, quando nos distraímos ou ficamos absortos (no mundo da lua) e entramos em estados diferenciados de consciência. Uma auto-hipnose”, destaca.
Aplicações
Hoje a hipnose é reconhecida pelos conselhos de Medicina, Psicologia, Odontologia, Fisioterapia e Enfermagem e pode ser aplicada em todas essas áreas.
Um exemplo é o uso da hipnose no tratamento de depressão, que é basicamente causada pela falta de um hormônio chamado serotonina. A hipnose pode fazer a pessoa vivenciar experiências agradáveis e, consequentemente, produzir mais a substância.
Na fisioterapia pode ser usada para controlar e diminuir a percepção de dor, facilitando a realização de movimentos. Na fonoaudiologia é muito usada para ajudar a tratar a gagueira. Na odontologia, pode ser usada para diminuir a produção de saliva e sangramento durante procedimentos, anestesias e também em bruxismo.
Na psicoterapia é usada como forma de regressão e ajuda no tratamento de fobias e traumas.
Qualquer que seja o seu uso, a hipnose não é usada como tratamento único e sim como complemento e os limites de seu uso são regulamentados pelo conselho profissional de cada área. É um procedimento totalmente seguro se executada da maneira correta por um profissional de saúde.
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