Seja para evitar surpresas, seja para trazer boas surpresas, sempre houve uma aspiração a conhecer o chamado período fértil da mulher. Até perto de 1950, a forma de se conhecer o período ovulatório da mulher era por meio de um recurso estatístico, a chamada “tabelinha” (ao lado, disco original, do site austríaco Museum for Contraception and Abortion), desenvolvida independentemente, entre 1925 e 1930, pelos pesquisadores Kyusaku Ogino e Hermann Knauss, donde o nome de tabela de Ogino-Knauss. O estudo levou os pesquisadores a compreenderem cada vez mais as variações do corpo da mulher durante o período fértil, até que, em 1936, foi sugerido que o muco cervical teria papel em permitir ou não a entrada do espermatozoide no genital feminino, possibilitando a fertilização do óvulo.
O útero, anatomicamente, compõe-se de uma cavidade, ligada às tubas, e de um canal (endocérvice), que liga a cavidade à vagina. Esse canal é que secreta o muco, que funciona como uma espécie de porta para a entrada do espermatozoide. Na maioria dos dias, o muco tem uma textura muito espessa, que impede a entrada do espermatozoide no útero. No entanto, à medida em que o folículo ovariano (onde se desenvolve o óvulo) cresce, o muco vai se tornando menos espesso e, perto da abertura do folículo para a liberação do óvulo, se torna quase aquoso. Isto torna o muco permissivo à entrada do espermatozoide que pode, então, atingir a trompa e fertilizar o óvulo.
A mudança do muco, favorecendo a entrada do espermatozoide, ocorre por conta de um hormônio produzido pelo próprio folículo, o estradiol. Conforme o folículo cresce, mais estradiol é produzido e o muco vai se tornando cada vez mais permissivo, até atingir o máximo próximo da ovulação. Isto ilustra um aspecto de uma complexa sincronia de fenômenos, necessária para a gravidez: no momento próximo ao da ovulação (quando a mulher está fértil), o genital feminino se torna permeável ao espermatozoide.
As variações do muco cervical foram extensivamente estudadas pelos médicos australianos John e Evelyn Billings e, a partir de 1950, foram utilizadas para criar um método de previsão do período fértil da mulher. Entretanto, na biologia, um mais um pode ser dois, mais de dois ou menos de dois: esse método tem seus problemas.
Em primeiro lugar, o intervalo de secreção do muco se estende de um dia antes até um dia depois da ovulação. Portanto, no ciclo natural, a mudança da textura do muco indica um período, mas não o dia exato da ovulação. Em segundo, conforme a sensibilidade das células secretoras do muco ao estradiol, a quantidade secretada pode ser pequena e passar despercebida, mesmo quando ocorre a ovulação. E, por último, há processos que podem ocorrer no colo do útero, capazes de alterar a secreção do muco e impedir que seja um bom indicador de ovulação: inflamações ou infecções, cauterizações muito grandes e cirurgias. Em pacientes com ciclos irregulares (como nas pacientes que têm ovários policísticos), a secreção do muco é irregular e sem relação com a ovulação.
Atualmente, embora o método Billings permaneça sendo utilizado como indicador do período ovulatório da mulher, o conhecimento da fisiologia e o avanço técnico oferecem métodos mais precisos, como a ultrassonografia e a medida diária do LH na urina.
Dr Jorge Haddad-Filho, médico do Serviço de Reprodução Humana do Hospital São Paulo