O uso de substâncias psicoativas é um desafio complexo de saúde pública em escala global, e o Brasil se destaca nesse cenário.
Para compreender a dinâmica desse fenômeno e seus impactos, o monitoramento epidemiológico contínuo é essencial.
Nesse contexto, o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) emerge como uma iniciativa estratégica e singular, fornecendo evidências consistentes e atualizadas para subsidiar a formulação e o aprimoramento de políticas públicas de saúde.
Em sua terceira edição, o LENAD III, realizado entre 2022 e 2024, concentra-se no consumo de cocaína e crack na população brasileira, que figuram como as drogas ilícitas mais utilizadas no país após a cannabis.
Pela primeira vez em mais de uma década, o Brasil volta a ter acesso a estimativas nacionais comparáveis sobre o uso dessas substâncias, consolidando um marco importante para a vigilância epidemiológica em saúde mental e uso de drogas.
Prevalência do consumo de cocaína e crack no Brasil
Os resultados do LENAD III baseiam-se em dados coletados em 2023 e comparados com os de 2012, ambas edições representativas para a população de 14 anos ou mais.
Como são apenas dois pontos históricos (com intervalo de 11 anos), os achados não indicam tendências lineares, mas mudanças ou estabilidade entre os períodos.
Uso na vida e no último ano
- Cocaína:
- Uso na vida: 5,38% (aprox. 9,3 milhões de brasileiros) em 2023, contra 3,88% em 2012.
- Uso nos últimos 12 meses: 1,78% (aprox. 3 milhões), praticamente estável em relação a 2012 (1,77%).
- Crack:
- Uso na vida: 1,4% (aprox. 2,32 milhões) em 2023, próximo ao índice de 2012 (1,44%).
- Uso nos últimos 12 meses: 0,5% (aprox. 829 mil), similar a 2012 (0,64%).
- Cocaína e/ou crack:
- Uso na vida: 6,60% (aprox. 11,4 milhões) em 2023, ante 4,43% em 2012.
- Uso nos últimos 12 meses: 2,20% (aprox. 3,8 milhões), sem diferença estatística frente a 2012 (2,00%).
Comparações demográficas
Por sexo
- Cocaína (uso na vida): homens 8,14% | mulheres 2,77%.
- Cocaína (últimos 12 meses): homens 3,00% | mulheres 0,63%.
- Crack (uso na vida): homens 2,21% | mulheres 0,64%.
- Crack (últimos 12 meses): homens 0,88% | mulheres 0,10%.
- Cocaína e/ou crack (uso na vida): homens 9,86% | mulheres 3,56%.
Por faixa etária
- Cocaína (uso na vida): pico entre 25 a 49 anos (7,98%).
- Menores índices: adolescentes 14–17 anos (0,79%) e idosos 65+ (0,96%).
- Uso recente também é o mais alto em 25–49 anos (2,80%).
- Crack: consumo concentrado em adultos; uso na vida entre adolescentes é 0,35%.
- Cocaína e/ou crack: adultos 7,1% na vida | adolescentes 1,07%.
Por macrorregião
- Cocaína (uso na vida): maior no Centro-Oeste (7,3%).
- Menor no Norte (3,6%).
- Uso recente maior no Centro-Oeste (2,4%).
- Crack (uso na vida): maior no Centro-Oeste (3,5%) e menor no Sudeste (0,9%).
- Cocaína e/ou crack: Centro-Oeste lidera (10,23% na vida | 3,25% últimos 12 meses).
Diferenças entre cocaína e crack
Embora derivem da mesma base, as drogas diferem no modo de uso e perfil de risco.
O crack é mais associado a vulnerabilidade social e uso compulsivo; a cocaína em pó circula em diferentes estratos e contextos.
Padrões de uso
- Cocaína:
- Uso frequente (diário ou mais de 2x/semana) entre usuários recentes: 43,6%.
- Quantidade menor que 0,5 g/uso: 39,9%; acima de 3 g: 8,6%.
- Uso em “mesclado” (com tabaco): 9,9%.
- Uso injetável: 6,1%.
- Crack: concentrado em homens adultos, baixa escolaridade e contextos de exclusão.
Idade de início
- Média de início em 18–20 anos, mediana de 18 anos.
- Proporção que começou antes dos 18 anos caiu de 46,4% (2012) para 43,5% (2023).
Impactos na saúde e no contexto social
- Sintomas agudos: agitação (24,5%), taquicardia/tremores/náuseas (20,2%), crises convulsivas (0,7%).
- Neuropsiquiátricos: ideação paranoide (33,1%), distúrbios do sono (21,7%), ansiedade (19,3%), alucinações (9,8%).
- Funcionais: perda de compromissos (8,9%), baixo rendimento (4,8%), envolvimento em violência (2,7%).
- Dirigir sob efeito: 19,91% dos usuários, sendo 1,2% de forma recorrente.
- Dependência (TUS):
- População geral: 0,72% (1,19 milhão de brasileiros).
- Entre usuários: 74,8% com critérios de dependência.
- Apenas 11,7% receberam atendimento especializado.
Metodologia do LENAD III
- Pesquisa nacional, domiciliar e transversal.
- Amostra de 16.608 pessoas de 14 anos ou mais, urbanas e rurais.
- Amostragem probabilística estratificada.
- Autopreenchimento sigiloso via tablet, com áudio, garantindo privacidade.
Limitações: apenas dois pontos históricos e sub-representação de usuários graves de crack que vivem fora de domicílios.
Percepção de acesso e tráfico
- Facilidade de acesso: cocaína 55,1%, crack 50,3% (população geral).
- Preço: 15,5% dos usuários pagam < R$ 10,00 por uso; 37,7% compram mais de 2 g gastando < R$ 30,00.
- Tráfico no bairro: cerca de 50% da população percebe ocorrência; maior no Sudeste (51,6%).
Conclusões e implicações para políticas públicas
- Aumento no uso de cocaína na vida, mas estabilidade no uso recente.
- Crack permanece concentrado em nichos vulneráveis.
- Alta taxa de dependência entre usuários e baixo acesso a tratamento.
- Percepção de fácil acesso e preços baixos ampliam riscos.
- Quase 20% dos usuários dirigem sob efeito da substância.
- Necessidade de políticas integradas, redução de danos e expansão da rede de cuidados.
Comparação internacional do consumo de cocaína e crack
Os resultados da terceira edição do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD III) revelam que o Brasil se posiciona de forma significativa no cenário global em relação ao consumo de cocaína.
De acordo com o estudo, as prevalências brasileiras de consumo de cocaína no último ano (1,78%) situam-se substancialmente acima da média global (0,45%) e também da média da América Latina e Caribe (0,63%).
O país ocupa a segunda posição global, ficando atrás apenas da América do Norte, cuja prevalência estimada atinge 1,95%.
Esse cenário destaca o Brasil como um dos principais consumidores de cocaína em pó na América Latina.
Além do consumo, o Brasil também desempenha um papel estratégico nas rotas internacionais do tráfico de cocaína, o que é corroborado pelos dados de apreensão de mais de 74 toneladas de cocaína em pó em 2024.
No que diz respeito especificamente ao crack, o LENAD III aponta para limitações intrínsecas dos inquéritos domiciliares em estimar sua prevalência com total precisão.
Isso ocorre porque usuários em quadros de dependência mais grave frequentemente vivenciam processos de exclusão social e moram em situação de rua, não sendo captados por levantamentos domiciliares.
Dada essa limitação, e considerando que todos os indivíduos classificados com provável dependência de crack também preencheram os critérios para dependência de cocaína, o estudo optou por conduzir as análises referentes ao transtorno por uso de substâncias utilizando uma amostra combinada de usuários de cocaína e/ou crack.
A análise conjunta de cocaína e/ou crack é uma prática comum em inquéritos epidemiológicos, permitindo padronizar a mensuração e realizar comparações internacionais.
As estimativas de consumo de cocaína e/ou crack na população brasileira com 14 anos ou mais indicam que 6,60% já usaram ao menos uma vez na vida (aproximadamente 11,4 milhões de pessoas).
O uso no último ano foi estimado em 2,20%, abrangendo cerca de 3,8 milhões de brasileiros.
Essa persistência do consumo em setores expressivos da população, com o Centro-Oeste apresentando as maiores prevalências, reforça a relevância contínua do problema no país.
A Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM, alinhada aos achados do LENAD III, reforça seu compromisso em oferecer cuidado integral às pessoas afetadas pelo uso problemático de substâncias. Por meio de suas unidades de saúde, a instituição atua na prevenção, no acolhimento humanizado e no tratamento especializado, contribuindo para reduzir os impactos do consumo de drogas na saúde e na qualidade de vida da população.
Perguntas frequentes
1. O que é o LENAD?
Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) que monitora o uso de substâncias psicoativas no Brasil.
2. O uso de cocaína aumentou?
Sim, o uso na vida passou de 3,88% (2012) para 5,38% (2023), mas o uso recente se manteve estável.
3. Quem mais consome cocaína e crack?
Homens adultos (25–49 anos), com menor escolaridade, e moradores do Centro-Oeste.
4. Quais os riscos à saúde?
Dependência, problemas cardiovasculares, neuropsiquiátricos, impactos sociais e acidentes de trânsito.
5. Como o estudo coleta dados sensíveis?
Com autopreenchimento sigiloso em tablet, garantindo privacidade e reduzindo subnotificação.
Para mais informações detalhadas sobre o uso de cocaína e crack no Brasil, consulte o Caderno Temático sobre Cocaína e Crack, que reúne dados completos do LENAD III e análises especializadas para profissionais de saúde, gestores e pesquisadores.
Fonte Consultada:
Terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD): Caderno temático cocaína e crack na população brasileira – Resultados 2023. São Paulo. Unifesp. 2025 – https://lenad.uniad.org.br/cadernos-lenad/cocaina_crack_vf_04_300725.pdf









