Do consultório e do hospital para as mãos e as casas de cada paciente; tecnologia vai realojar cuidados com a saúde
SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO
DÉBORA MISMETTI
EDITORA-ASSISTENTE DE “CIÊNCIA+SAÚDE”
A população mundial está envelhecendo e cada vez mais gente vai precisar de assistência médica. A conta não vai fechar se a medicina continuar a ser praticada em consultórios e hospitais. Mas o cenário deve mudar bastante.
A análise é de um grupo de especialistas da Ernst & Young, consultoria internacional que atende empresas interessadas em saber para onde vai caminhar o mercado da medicina.
De acordo com o trabalho, uma parte importante da assistência médica no futuro será feita no que a Ernst & Young chamou de o “terceiro lugar” (os outros dois são o hospital e o consultório).
Esse terceiro lugar seria, por exemplo, a casa do paciente que tem doenças crônicas como diabetes, obesidade e problemas respiratórios -ou onde ele estiver.
Por isso, as principais inovações na área de saúde virão de tecnologias que permitam assistência remota, como aplicativos para tablets e para celulares que lembrem o horário de tomar um medicamento, por exemplo.
“Hoje, 75% dos custos de assistência médica vêm de doenças crônicas e número tende a aumentar. Esses pacientes não precisam estar no hospital, mas necessitam de acompanhamento”, explica Glen Giovannetti, um dos coordenadores do estudo.
“É uma espécie de renovação da ideia do ‘médico da família'”, explica Patrick Flochel, da Ernst & Young.
“Só que o médico ficará acessível por novas maneiras. Isso causará uma mudança de comportamento do médico e do paciente.”
VIDA REAL
De acordo com o médico Chao Lung Wen, professor de telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, esse monitoramento remoto vai reforçar os vínculos do paciente com os profissionais de saúde, motivando-o a seguir os tratamentos prescritos.
Wen é um dos organizadores de um seminário sobre saúde digital e “home care” que será realizado amanhã e quarta na feira Hospitalar, em São Paulo.
“Mais de 50% dos tratamentos falham porque as pessoas não entendem como usar o medicamento. Muita gente abre cápsulas de remédio em vez de engolir, o que pode impedir a absorção da droga. A tecnologia vai ajudar a reforçar a compreensão do que foi passado pelo médico”, afirma Wen.
O médico da USP está trabalhando em uma parceria com uma operadora de celular para lançar um serviço de “nuvem da saúde”. A ideia é que essa rede de informações médicas esteja acessível em diferentes níveis: um gratuito, com informações de utilidade pública sobre prevenção, vacinas e epidemias, e outros com acesso pago, com assuntos de interesse específico do usuário e participação em grupos de discussão com profissionais de saúde.
VELHOS REMÉDIOS
Quem também deve mudar de papel no futuro da assistência médica é a indústria farmacêutica. Isso porque as inovações em saúde virão mais de setores tecnológicos e menos de novas drogas.
Segundo a consultoria Thomson Reuter, em 2010, apenas 21 drogas inovadoras foram lançadas. No ano anterior, o número chegou a 26.
Além disso, a maioria das doenças crônicas não será curada com novos remédios -mas precisam de cuidados específicos e recorrentes.
“Não podemos dizer que as farmacêuticas estão em maus lençóis. Mas elas estão começando a se associar com outros setores, como o alimentício, para desenvolver novos produtos”, diz Flochel.
O problema, de acordo com o oftalmologista Rubens Belfort, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e presidente da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), é que os médicos não estão sendo preparados para lidar com as doenças que mais vão predominar no futuro -e que não precisam de hospital.
“Os médicos hoje são treinados para salvar vidas em hospitais como faz o House [referindo-se ao médico da série homônima americana]”, diz. “Mas o paciente cada vez mais irá ao hospital só se o tratamento em casa não estiver dando certo”, conclui.
Artigo aponta defasagem no ensino médico
DE SÃO PAULO
Se o atendimento médico está mudando, uma transformação no ensino de profissionais de saúde nas universidades deveria vir a reboque.
Mas, de acordo com especialistas, os currículos estão defasados por um lado e mais longos do que o necessário por outro.
De acordo com um artigo publicado na revista médica “Jama” por Ezekiel Emanuel, da Universidade da Pensilvânia, e Victor Fuchs, de Stanford, o tempo de formação do médico poderia ser reduzido em 30% sem afetar a qualidade.
Para Rubens Belfort, da Unifesp, mesmo longos, os currículos deixam de fora problemas que os futuros médicos encontrarão.
“Os alunos gastam tempo aprendendo metodologias diagnósticas que estarão ultrapassadas quando entrarem no mercado.”
O que fica de fora, diz Belfort, é o treinamento para o trabalho multidisciplinar. “Isso tem de ser aprendido na graduação. Mas, como ninguém ensinou os professores, quem vai ensinar os alunos?”