Amélie Poulain (Audrey Tautou) nasceu com o dom de observar e se encantar com as pequenas coisas. Entre suas coisas preferidas, por exemplo, está a de afundar as mãos em meio à grãos, e sentir aquela cosquinha por entre os dedos. Ela é aquela menina que quando vai ao cinema, assiste mesmo é a reação das outras pessoas, ao invés de o filme em si.
Mas sua capacidade de se surpreender com tudo levou seu pai e um erro que custou sua infância: em um exame ali mesmo, em sua casa, seu pai diagnosticou em Amélie um problema complicado no coração, quando as batidas descompassadas era apenas reação à própria proximidade com seu pai. Esse diagnóstico equivocado afastou a doce heroína da contato com outras pessoas: não frequentou escolas, não fez amigos, não participou de festas ou brincadeiras em grupo quando criança.
E nesse colapso neurótico, Amelie cresceu em completo estado de voyeurismo. Sabia da vida e das pessoas somente o que ela pôde observar e completava o que não sabia com sua imaginação fértil.
Isso pode explicar sua “dificuldade” de relacionamento com outras pessoas. Ela deseja sim um amor, e se encanta com as pessoas à sua volta. O que traz Amélie à deliciosa experiência de VIVER é uma casualidade, uma memória esquecida por alguém que morou antes dela em seu apartamento em Montmartre, famoso bairro francês da boemia francesa na capital Paris.
É que, na pequena aventura empreendida com a missão de devolver o objeto há tanto esquecido ao seu dono original, Amélie descobre em si uma sensação agradável – a de fazer boas ações para pessoas que não conhece.
Com direção de Jean-Pierre Jeunet, que assinou filmes sombrios antes deste, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain fala é das coisas simples da vida, como neuras de uma família, os sonhos de uma garota que nunca teve amigos, a busca do amor. E Amélie vem exatamente para desconstruir a tese de que, quanto mais simples algo é, mais difícil é de se conseguir.
Trata-se de um universo que constrói relações de causa e efeito, como o entrelaçamento dos personagens secundários com a personalidade de Amélie e a organização com um quê de surrealismo que molda todo o filme.
Inúmeras figuras e acontecimentos se ligam de maneira harmoniosa graças à atmosfera de conto de fada que é entregue a cada uma delas, como a relação entre a colega de trabalho de Amélie e o seu cliente perturbado e o vendedor atormentado pela protagonista.
As fotografias, as cores, a trilha sonora e o roteiro são um encanto de fantasia e ingenuidade que traz de volta ao espectador a vontade de acreditar.
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (Le Fabuleux destin d’Amélie Poulain, 2001). Direção de Jean-Pierre Jeunet, com Audrey Tautou, Mathieu Kassovitz, Rufus, Lorella Cravotta, Serge Merlin.