Em 1928 o bacteriologista escocês Alexander Fleming descobriu, meio que por acaso, a penicilina, que viria a ser o primeiro antibiótico da história. Após anos de pesquisa, a penicilina passou a ser produzida em larga escala e foi uma revolução na história da medicina. O nome “antibiótico”, na verdade, surgiu apenas 13 anos depois e vem do latim “contrário” e do grego “vida”, para designar aqueles medicamentos feitos a partir de substâncias vivas, ou sintéticas, para combater outras substâncias vivas.
Mais tarde surgiram novas descobertas. Em 1944, o bioquímico russo Selman Waksman anunciou a descoberta da estreptomicina, um antibiótico que age contra a tuberculose. Não demorou para que surgissem outras drogas com ação sobre bactérias e, assim, doenças como sífilis, gonorreia, tuberculose e tétano, que até então eram incuráveis, puderam ser tratadas.
A resistência do gonococo
As bactérias são organismos vivos que podem sofrer mutações constantes devido a sua capacidade de adaptação ao meio. Os antibióticos revolucionaram a medicina e contribuíram para salvar milhares de vidas. Mas agora pesquisas mostram que as bactérias estão se tornando inimigos muito mais difíceis de combater.
A gonorreia é uma dessas doenças que estão ficando mais difíceis de tratar. Causada pela bactéria Neisseria gonorrhoeae, também conhecida como gonococo, a gonorreia é uma das doenças sexualmente transmissíveis mais comuns no mundo todo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 78 milhões de casos de gonorreia são diagnosticados por ano. Pesquisas mostram que a bactéria causadora da infecção sofreu mutações até se tornar extremamente resistente aos antibióticos que antes agiam com facilidade.
Como nem sempre há sintomas aparentes e muitas vezes a doença pode até ser assintomática, o atraso no diagnóstico torna o desafio de controlar a infecção ainda maior. O infectologista do Hospital Geral de Pirajussara, Braulio de Melo Araujo, explica que quando se manifestam, os sintomas são um pouco diferentes em homens e mulheres. Em geral, logo após o contágio sexual (de 2 a 3 dias depois), os homens começam a ter ardência para urinar e desenvolvem uretrite gonocócica, uma irritação na uretra, com a presença de vermelhidão e saída de pus. Já a mulher quando se infecta desenvolve um corrimento causado pelo gonococo.
“Geralmente, no homem dificilmente pode causar alguma doença pior. Na mulher, essa infecção pode se tornar mais séria, seguindo o caminho do trato genital e infectando a parte de dentro do útero, podendo causar endometrite, infecção das tubas uterinas e até doença inflamatória pélvica, uma condição clínica em que a mulher fica com os órgãos internos reprodutivos infectados”, alerta o infectologista.
Por ser uma doença sexualmente transmissível, a primeira grande consequência de não tratar a gonorreia é não cortar o ciclo epidemiológico dela. “Se a pessoa infectada não se trata, toda vez que tiver relação sexual de forma desprotegida, ela vai transmitir a doença. Além disso, nas mulheres a gonorreia pode atrapalhar o processo de fertilização”, explica Braulio.
Outra forma de transmissão é de mãe para filho, principalmente se a criança nasce através de parto normal. Mas, mesmo antes do bebê nascer, o gonococo presente no corrimento vaginal pode ascender para o útero e causar infecção das membranas ovulares. O quadro mais comum quando o bebê é infectado por gonorreia no canal de parto é o desenvolvimento de uma conjuntivite por gonococo.
A prevenção é feita, é claro, através do sexo seguro, sempre com o uso de preservativo. A gonorreia é tratada com uma classe de medicamentos chamados penicilinas, sejam sintéticas ou semissintéticas. “Sempre soubemos que essa classe de medicamentos trata a bactéria que causa a gonorreia de uma forma eficaz. Mas o que temos visto recentemente, no mundo inteiro, é que onde há um uso desordenado de antibióticos e o uso exagerado de penicilinas, as cepas do gonococo estão demonstrando a resistência aos antimicrobianos”, alerta o especialista.
Isso significa que antigamente era mais fácil tratar um paciente com gonorreia com medicamentos como a benzetacil, amoxilina ou outras drogas que são classificadas como penicilinas. “Hoje em dia sabemos que esse tratamento pode não ser tão eficaz, por isso foi sugerido pelo próprio Ministério da Saúde que se use um remédio chamado ceftriaxona, numa dose única intramuscular, para tratar a gonorreia no lugar da penicilina”, diz o especialista.
Por que as bactérias se tornam resistentes?
As bactérias se tornam resistentes aos antimicrobianos, geralmente, através de exposição continuada a esses. “Quando a bactéria é atacada pelo antimicrobiano, ela desenvolve naturalmente formas de se defender. Os mecanismos de resistência são múltiplos, desde a produção de substâncias que inibem o antibiótico, até mudar as estruturas de suas membranas celulares para impedir que o antibiótico entre na célula da bactéria para destrui-la”, explica o infectologista.
A partir do momento que uma bactéria se torna resistente a um antimicrobiano, ela começa a passar a informação dessa resistência para outras bactérias. Ser resistente não é uma exclusividade do gonococo, existem dezenas de bactérias multirresistentes e algumas nem são comumente encontradas no ambiente hospitalar, como o bacilo de Koch, por exemplo, que é o bacilo da tuberculose. “Hoje no Brasil já temos relatos de infecções por bacilos da tuberculose multirresistentes”, lembra o especialista do Hospital Geral de Pirajussara.
A OMS avalia que cerca de 700.000 pessoas morrem todos os anos por conta de bactérias multirresistentes. Especialistas estimam que, se a situação não mudar, esse número pode chegar a 10 milhões em 2050, tornando-se a primeira causa de morte.
A situação é definida como grave e a OMS alerta para o risco de voltarmos ao passado, antes da descoberta dos antibióticos, quando uma simples cirurgia representava um grande risco. O mundo inteiro está preocupado com isso, tanto é que o assunto foi debatido na 71º Assembleia da ONU em 2016.
O infectologista Braulio Araujo também chama a atenção não apenas para o uso de antibióticos pelas pessoas, mas também para o uso no agronegócio, tanto na pecuária quanto na agricultura. “Em ambos os setores, usa-se uma grande quantidade de antimicrobianos em animais, para promover um crescimento mais rápido e eficaz, e inclusive em frutas, verduras e legumes, para que cresçam longe de pragas e se tornem alimentos mais bonitos. Nem sempre o problema está apenas no uso de antimicrobianos dentro do hospital”, lembra ele.
De qualquer maneira, é importante seguir algumas orientações:
- Não tome antibióticos sem prescrição médica e nem pare o tratamento pela metade, mesmo quando já não houver mais sintomas, continue o uso do antibiótico até o tempo estipulado pelo médico.
- Mantenha a carteira de vacinação em dia, pois através das vacinas é possível evitar diversas doenças e, consequentemente, evitar o uso de medicamentos.
- Não se esqueça das medidas básicas de prevenção a infecções, a principal é higienizar as mãos corretamente, principalmente no ambiente hospitalar.