O enorme desejo de ver seus seis filhos crescerem e conhecer seus futuros netos é o argumento principal para Angelina Jolie, 39 anos, ter retirado, em janeiro de 2013, seus seios e agora os ovários e as trompas antes mesmo de um diagnóstico de câncer.
É que a atriz, que tem mutações no gene BRCA1, viu sua avó, uma tia e depois sua mãe, de apenas 49 anos, morrerem devido ao câncer.
“Mutações no gene BRCA1 são conhecidas como a causa mais frequente de predisposição aos cânceres hereditários de mama e ovário. Embora menos de 10% de todos os casos desses tipos de câncer manifestem características hereditárias, estima-se que até 80% dos casos hereditários são relacionados a mutações no gene BRCA1. A maioria das mulheres com câncer de aparecimento precoce e forte história familiar são portadoras de mutações em BRCA1”, explica Rosyane Rena de Freitas, cirurgiã oncológica do Hospital Geral de Guarulhos.
Angelina realizou, em 2003, um mapeamento genético que apontou a mutação do gene, e com base nisso, os médicos apontaram 87% de risco de desenvolver câncer de mama e 50% de surgimento de câncer de ovário.
“Na realidade, o desenvolvimento do câncer é multifatorial. A estatística nos dá uma estimativa. No entanto, além dos fatores genéticos, devem ser considerados fatores ambientais e comportamentais que podem atuar em conjunto na predisposição do câncer”, explica a oncologista.
A retirada dos seios, uma dupla mastectomia, a atriz fez em 2013, diminuiu os riscos de câncer de mama para apenas 5%. A retirada dos ovários e das trompas é um procedimento mais complexo, que coloca a mulher em menopausa forçada, e a atriz tentou adiá-la ao máximo, mas há duas semanas alterações em exames de rotina apontaram uma incipiente formação cancerígena. Esse foi o fator decisivo para a decisão de fazer a salpingo-ooforectomia bilateral laparoscópica, a cirurgia preventiva de remoção dos órgãos.
Sobre as operações, Angelina Jolie decidiu vir a público, “para deixar as mulheres informadas sobre seus próximos passos na prevenção ao câncer”, e explicou sua decisão em dois artigos publicados no jornal norte-americano The New York Times, onde afirmou: “Pessoalmente não me sinto menos mulher. Me sinto mais forte e tomei uma decisão importante que não diminui em nada minha feminilidade”.
Contudo, esses procedimentos não são os mais indicados, e nem resolvem o problema para todo mundo, como explica a dra. Rosyane:
“A cirurgia profilática (tanto a mastectomia, quanto a ooforectomia) tem indicação restrita. Pode ser considerada em pacientes com mutação dos genes BRCA1 e/ou BRCA2, ou outra susceptibilidade genética. Além dessas alterações, pacientes com história familiar característica, sem mutação diagnosticada (câncer de mama/ovário em diversos parentes de primeiro grau, sucessivas gerações de câncer de mama/ovário, inclusive em homens da família, câncer de mama pré-menopausa/em mulheres jovens) também podem ter indicação cirúrgica”.
A decisão envolve aspectos pessoais, médicos, familiares e psicossociais. A paciente deve passar por um atendimento multidisciplinar envolvendo cirurgião, oncologista, geneticista e psicólogo e por fim, receber uma conduta particularizada. “Para algumas mulheres, a cirurgia pode oferecer grande redução do risco. Para outras, os riscos da cirurgia e os efeitos colaterais podem superar o benefício da cirurgia profilática”, esclarece a oncologista.
Quando se identifica a mutação genética, com relação ao câncer de mama, a retirada das mamas não é a única alternativa. “Pode-se considerar três estratégias: vigilância intensa por meio de mamografia, ressonância magnética e ultrassonografia; emprego de medicamentos de quimioterapia preventiva, como o tamoxifeno, que reduz o risco em 47%; e por fim, a medida mais extrema, que é a retirada das mamas que, no entanto, não elimina completamente as chances de a doença se desenvolver”, diz a médica.
Com relação ao câncer de ovário, poderia optar por triagem duas vezes ao ano com exames de sangue (ca125- um marcador tumoral) e um exame de ultrassonografia transvaginal. Outra opção seria o uso de pílulas anticoncepcionais. No entanto, o anticoncepcional pode aumentar o risco de câncer de mama nesse grupo de alto risco. Mas é sempre bom ter em conta que esses exames não são confiáveis o suficiente para detecção precoce do câncer de ovário.
Quer dizer que se Angelina Jolie tirou as mamas e os ovários, ela está livre de ter câncer? Não. “Os procedimentos não garantem 100% de prevenção do câncer. Ela ainda necessita continuar sob vigilância, tanto para o desenvolvimento do câncer de mama, quanto para o de ovário. No entanto, o risco diminui muito. O risco individual de câncer de ovário e de mama varia de acordo com muitos outros fatores, incluindo história familiar, escolhas de estilo de vida e outras estratégias que a paciente possa estar usando para reduzir o risco de câncer” afirma a dra. Rosyane.
Mapeamento genético
O mapeamento genético só é indicado para pessoas que têm histórico familiar de câncer e doenças raras que têm cura, pois “os testes genéticos para detectar uma predisposição hereditária ao câncer são extremamente caros e a simples discussão quanto à indicação de fazê-los pode gerar um quadro de ansiedade, trazendo mais problemas que a própria doença”, explica a dra. Rosyane.
Além disso, o resultado positivo do teste genético apenas sugere o procedimento cirúrgico. Há mais opções, como fazer um acompanhamento mais frequente, com exames de seis em seis meses que permitirão o diagnóstico precoce de tumores, como a mamografia e a ressonância magnética.
“Nenhum paciente deve ser submetido a teste genético de predisposição ao câncer sem antes ser amplamente orientado quanto às implicações do teste (seja ele de resultado positivo ou negativo). A orientação ou decisão quanto à necessidade de se fazer testes genéticos deve ser feita em conjunto pelo médico oncologista e/ou por um profissional especializado em aconselhamento genético. Na impossibilidade de se fazer o teste, o oncologista pode usar alguns fatores relacionados ao paciente (a história familiar é o mais importante), ao tumor e ao grau de parentesco para prever que conduta teria a melhor implicação em prevenir o possível aparecimento de um tumor”, orienta a oncologista.
Centro oncológico do Hospital Geral de Guarulhos (HGG)
O Hospital Geral de Guarulhos inaugurou no início de março de 2015 o Centro Oncológico, com investimento de R$ 3,7 milhões para oferecer tratamento de câncer a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o Estado. O Centro tem capacidade para atender 1,2 mil novos casos de câncer por ano e poderá realizar 4,8 mil sessões de quimioterapia e 7,2 mil de radioterapia anualmente.