A fila do transplante de córnea foi “zerada” em São Paulo no ano passado. A Secretaria Estadual de Saúde afirmou ter cumprido toda a demanda com a realização de 5.055 cirurgias de janeiro a dezembro. Nos primeiros quatro meses deste ano, 1.651 pessoas já receberam a membrana.
Além de dar conta da demanda de paulistanos, cerca de 30% das cirurgias realizadas nos 228 hospitais de referência são de outras regiões do país. A maioria dos estados têm filas lentas, como o Rio de Janeiro, onde a espera chega a ser superior a dois anos.
Há pouco menos de uma década, São Paulo não tinha um cenário muito diferente da capital fluminense. Foi depois de uma reestruturação nos bancos de olhos do estado que as doações ficaram mais intensas.
“Hoje o trabalho de captação das córneas é extremamente ativo em São Paulo. As equipes dos bancos ficam de prontidão para atender as famílias e orientá-las sobre a importância da doação”, explicou o médico do banco de olhos do Hospital São Paulo, Elcio Hideo Sato, que em uma década presenciou a transformação do cenário da doação de córnea.
“Dez anos atrás a espera era de dois a três anos. O estado teve uma mudança radical. Os bancos de olhos trabalhavam de forma passiva. Eles ficavam esperando alguém dizer que queria doar a córnea para então iniciar os procedimentos. Hoje é bem diferente. As equipes vão atrás das famílias para garantir a doação”, disse o médico.
Nos últimos seis anos São Paulo tem conseguido manter a rotatividade das pessoas que esperam para o transplante. O tempo máximo para a cirurgia é de dois meses e, em determinadas períodos do ano, a espera é de semanas.
Ao contrário do transplante de qualquer outro órgão do corpo, que exige total compatibilidade entre o doador e o paciente, a córnea tem restrições bem mais brandas. “Existem basicamente três situações que impedem uma pessoa de ser doadora: quando ela tem doenças infecciosas, câncer disseminado ou câncer no olho”, explica a professora de oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Maria Cristina Nishiwaki Dantas.
A médica esclarece que as pessoas com algum tipo de grau nos olhos não têm qualquer restrição para ser doadoras.
Eu só via o vulto das pessoas, diz dona de casa ‘quase’ cega
Depois que uma bolha surgiu no olho esquerdo da dona de casa Aparecida Vivian Roberto, de 29 anos, ela percebeu que algo não ia bem com sua vista. Aparecida procurou a equipe de oftalmologia do Hospital de Transplantes e descobriu que estava com ceratocone — a doença que mais resulta em transplante de córnea. Em pouco tempo Aparecida já tinha perdido mais de 70% da visão. “Eu só via o vulto das pessoas. Não conseguia mais andar sozinha nem fazer as tarefas de casa”, disse a dona de casa, que ficou dois meses na fila de transplante. “Fiz a cirurgia do olho esquerdo em 2012. Já estou recuperada e agora entrei na fila para fazer a do direito”, disse. Há menos de um mês ela voltou para a lista e está pronta para fazer a cirurgia.
Entrevista – HELAINE ZAMPAR – oftalmologista
Oftalmologista do Hospital dos Transplantes diz que a cirurgia é indicada em último caso. Mesmo sendo uma intervenção simples, ela pode deixar o paciente refém de medicamentos para o resto da vida.
DIÁRIO_ Existe outro tratamento antes de indicar a cirurgia?
HELAINE ZAMPAR_ Até alguns anos atrás não tinha muito tratamento. Hoje em dia tem um procedimento que dá uma estabilizada e segura o ceratocone, por exemplo, para não chegar em uma estágio mais avançado. Mas isso apenas em casos diagnosticados no início.
Todos os pacientes terão de tomar remédios por toda a vida?
Não. Apenas quando ele tem algum tipo de rejeição da córnea. Para o órgão aderir ao olho é feito um tratamento com remédios. Em alguns casos, o paciente terá de usar o medicamento para o resto da vida.
Quantos pacientes a senhora tem hoje na fila para cirurgia?
Tenho 15 pacientes na lista estadual de transplantes. Geralmente mantenho sempre esse número na fila. Faço cerca de duas cirurgias de transplante por semana e, em média, é a mesma quantidade de pessoas novas que entra na lista.
Como funciona o pré-operatório desses pacientes?
O primeiro passo é pedir exames clínicos para identificar se ele tem condições de passar por uma cirurgia. Depois o colocamos na lista e especificamos o tipo de transplante que vamos fazer. Existem três.
Quais são?
O penetrante, quando substitui toda a córnea, o lanelar, que usa uma parte do órgão, e o tectônico, que são os quadros de urgência. Nesse caso, o paciente passa na frente dos outros.