A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que ocorram mais de um milhão de casos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) por dia no mundo. Por ano, a estimativa é de aproximadamente 357 milhões de novas infecções, entre clamídia, gonorréia, tricomoníase e sífilis. Mais preocupante ainda é que, ainda de acordo com a OMS, anualmente a sífilis na gestação leva a mais de 300 mil mortes fetais e neonatais no planeta.
Nos últimos cinco anos, os casos de sífilis no Brasil aumentaram assustadoramente. De acordo com dados do Ministério da Saúde, que admitiu que o país vive uma epidemia, apenas em 2015 foram notificados 65.878 casos da infecção. Cinco anos antes, em 2010, foram 1.249 notificações. Hoje a taxa de sífilis adquirida é de 42,7 casos para cada 100 mil habitantes. O número de casos em gestantes passou de 10.626 em 2010, para 33.365, em 2015. Já para a sífilis congênita, a taxa saltou de 2,4 para 6,5 em cinco anos.
Os números mostram ainda que a maioria das ocorrências está concentrada na região Sudeste – dos 227.663 casos de sífilis adquirida notificados entre 2010 e junho de 2016, 62,1% estão nesta região. Logo em seguida estão as regiões Sul (20,5%), Nordeste (9,3%), Centro-Oeste (4,7%) e Norte (3,4%).
O infectologista do Hospital São Paulo, Eduardo Alexandrino Medeiros, chama a atenção para o aumento no número de casos e pelo fato da sífilis ter se tornado uma doença de notificação obrigatória, o que, consequentemente, aumentou as notificações. Mas o especialista também destacou outros fatores. “Também houve uma melhora no acesso à sorologia e aumento do fornecimento de testes rápidos para grávidas, além, é claro, do crescimento no número de ocorrências, porque as pessoas não estão usando medidas de prevenção”, explica o infectologista.
O uso de preservativos é uma forma de prevenção importante, que está sendo deixada de lado por muitos, principalmente pelos jovens. “As campanhas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis não têm tido o mesmo impacto que tinham antigamente. É uma questão social, de comportamento, hoje as pessoas estão mais liberais em relação ao sexo do que há alguns anos atrás. Além disso, passamos por um período no qual essas iniciativas tinham uma penetração muito grande, mas atualmente diminuíram até mesmo as campanhas na TV”, destaca Medeiros.
Outro dado interessante revelado pelo Ministério da Saúde foi o aumento do número de casos em mulheres. Em 2010, eram 1,8 casos de homens com sífilis para uma mulher, hoje essa proporção já diminuiu para 1,5 homens com a doença para cada mulher.
Tratamento e penicilina
O tratamento da doença é feito principalmente com a penicilina, um antibiótico bastante antigo, mas a opção mais eficaz que se tem hoje para a sífilis. O desabastecimento de penicilina no mercado também é considerado um dos fatores contribuintes para o aumento no número de casos.
Aqui no Brasil, a indústria farmacêutica não faz a síntese da penicilina. O princípio ativo é fornecido por outros países, como a China e a Índia. O desabastecimento foi mundial e se deu, principalmente, pela escassez de matéria-prima e problemas pontuais na qualidade do medicamento produzido.
Com a penicilina, a sífilis pode ser curada, não apenas controlada, por isso a falta do antibiótico faz com que fique muito mais difícil o controle da doença. “Uma das formas de prevenir é tratar as pessoas com a sífilis, deste modo elas deixam de transmitir”, destaca Medeiros.
Atuação da Atenção Básica de saúde
Por ser a porta de entrada do sistema de saúde, a Atenção Básica tem papel importante no combate à sífilis, conforme explica a Gerente Técnica do Programa de Atenção Integral à Saúde (PAIS) da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), Rosemeire Grigio. “A equipe da Estratégia Saúde da Família visita mensalmente as famílias com o objetivo de orientar, detectar precocemente e tratar quem já foi acometido pela doença, com encaminhamento para as Unidades Básicas de Saúde.”
De acordo com Grigio, com relação à prevenção, a equipe atua na realização de grupos educativos sobre contaminação e prevenção da sífilis, orientações em visitas domiciliares das equipes de saúde da família, disponibilização de preservativos e testes rápidos para a detecção da infecção em mulheres e homens.
“Já no âmbito de tratamento, é priorizado o uso da penicilina para aqueles com diagnóstico definido de sífilis, inclusive a congênita, interrompendo a cadeia de transmissão. O tratamento de ambos os parceiros é fundamental para impedir que ocorra a re-infecção”, explica a gerente.
Sífilis e sífilis congênita
A sífilis é descrita desde a Grécia antiga e, provavelmente, foi trazida para a América pelos colonizadores espanhóis e portugueses. Como sua principal forma de transmissão é por via sexual, a doença se espalhou rapidamente principalmente com as grandes navegações.
A presença de uma infecção sexualmente transmissível como esta aumenta consideravelmente o risco de se adquirir ou transmitir o HIV, que também aumentou nos últimos anos. Por isso, é tão importante o seu controle. Eduardo Medeiros explica que a sífilis evolui em estágios: primário, secundário, terciário e tardio.
No estágio primário da sífilis, aparece uma pequena ferida no órgão genital, chamada cancro duro, mas que desaparece sozinha. O homem costuma perceber essa ferida com mais facilidade, mas a mulher geralmente não, até porque a anatomia da vagina dificulta essa percepção. É como se fosse uma úlcera que sara sozinha – a ferida some, mas a sífilis continua lá.
Já no estágio secundário, que ocorre de quatro a oito semanas depois de se contrair a infecção e surgimento da ferida, começam a surgir lesões e placas avermelhadas na pele. A partir daí, se não for tratada, a doença pode evoluir para o comprometimento do sistema nervoso e grandes artérias, como a aorta.
A sífilis congênita é transmitida da mãe para o bebê através do sangue. Sem a detecção e tratamento da infecção na gestante logo nos primeiros meses de gravidez, as consequências podem ser graves. “Ela pode resultar em aborto, natimorto, más formações congênitas que podem levar à alterações ósseas, comprometimento do fígado, baço e do cérebro, afetando o desenvolvimento neurológico da criança”, lembra o infectologista.
“O exame para detecção de sífilis na gestante ocorre no primeiro e terceiro trimestre da gestação, com o objetivo de diagnosticar precocemente a doença e suas consequências para a mulher e o bebê”, explica Rosemeire Grigio. Por isso é tão importante a realização do teste de sífilis durante o pré-natal. Quanto mais cedo a doença for tratada, maiores são as chances de cura. De acordo com Eduardo Medeiros, hoje a Prefeitura e programas do Estado orientam que toda grávida que não realizou a sorologia durante a gravidez faça o teste rápido no momento do trabalho de parto. Assim, se for detectada a doença, o bebê será tratado logo ao nascer.