Todos nós, em muitos momentos da vida, frequentamos situações que envolvem expectativa e ansiedade.
Enquanto fazemos planos para as férias já próximas, nosso coração já voa longe, chega antes de nós e antes das férias.
Amanhã, pela manhã, chegará o carro novo, que compramos com suor e esperamos há muito tempo. Impossível não nos sentir já dentro dele, em passeio pelos lugares que mais gostamos.
E assim vai: empresa vai telefonar sobre aquele emprego tão desejado; o resultado das provas do vestibular será publicado em 10 dias. O número de situações que nos geram ansiedade e expectativa é enorme.
E todas têm, em comum, o fato de fazer com que nosso coração se dissocie do momento e do local em que estamos: deixamos de viver o agora para viver um futuro esperado por nós, que não corresponde necessariamente ao que ocorrerá. O futuro ainda permanece insondável.
Evidentemente, não é diferente no caso da fertilização in vitro e, nesse caso, os casais se preocupam se esta influência emocional pode afetar, de forma negativa, o sucesso nas técnicas de reprodução assistida (inseminação e fertilização in vitro).
Sob o ponto de vista emocional, o procedimento in vitro, em particular, é recheado de situações de incerteza, derivadas do ainda parcial conhecimento médico acerca da fisiologia reprodutiva.
Primeiramente, administra-se a medicação (injetável, e, portanto, produtora de um, certo, grau de stress) com a esperança de que os folículos ovarianos se desenvolvam, o que pode não ocorrer ou ocorrer. Cada exame ultrassonográfico carrega uma, certa, dose de ansiedade e expectativa, em geral baseada na comparação com outras conhecidas que realizaram o mesmo procedimento ou em leituras da internet.
Depois, se crescerem folículos, não é certo que todos terão óvulos, já que alguns deles ou não os tem, de início, ou os perdem durante o crescimento. Isto pode ser verificado apenas após a cirurgia.
Ainda mais: se houver óvulos, também não é certo que todos sejam maduros e aptos à fertilização e, ainda que sejam maduros, podem não responder à entrada do espermatozoide, não ocorrendo à fertilização e não havendo formação do embrião.
Finalmente, mesmo que tenha havido a fertilização, pode não ocorrer formação de embrião adequado para transferência uterina e, se for adequado e se for transferido, pode não implantar no endométrio, não gerando a gravidez, mas gerando uma enorme frustração e sensação de impotência.
Portanto, o procedimento não é linear e, embora haja uma sequencia de etapas parcialmente dependentes uma das outras, não é verdade que se uma etapa aconteceu a próxima também vai acontecer. E essa descontinuidade do processo é, sem dúvida, uma causa de ansiedade. E a pergunta persiste: essa ansiedade influi no resultado do procedimento?
Afortunadamente, não. Um estudo holandês de 2009 mostrou, nas mulheres que passaram por procedimento de fertilização in vitro, os níveis de ansiedade das mulheres que engravidaram e das que não engravidaram foram semelhantes. Nem a ansiedade produzida pelo tratamento, nem a ansiedade que já existia antes do tratamento parecem ter influência na taxa de gravidez.
Arriscamos dizer que a ansiedade vem com a vontade: se temos vontade de algo, parece que não há como fugir a alguma ansiedade. Provavelmente, a ansiedade é uma espécie de sub-produto da vontade: ao acender a lâmpada queremos luz, mas não há como evitar algum calor que venha dela. Nesse sentido, lidar com a ansiedade é domesticá-la: saber o que ela é, de onde ela vem, e auxiliá-la a ficar no seu lugar, usando sua energia para impulsionar-nos na direção que queremos.
Concordamos com Charles Spurgeon (teólogo inglês, 1834-1892), quando diz “A ansiedade não esvazia o sofrimento do amanhã, mas apenas esvazia a força de hoje”.
Dr Jorge Haddad-Filho, médico do Serviço de Reprodução Humana do Hospital São Paulo